Como o laudo psiquiátrico evitou uma condenação injusta
Em uma sociedade cada vez mais consciente sobre saúde mental, cresce o entendimento de que a justiça não pode ser cega à mente humana.
O caso a seguir ilustra como um laudo psiquiátrico bem fundamentado pode ser a diferença entre uma condenação injusta e uma decisão justa, respeitando os limites da consciência, da responsabilidade e da dignidade humana.
Resumo rápido:
Um laudo psiquiátrico pode mudar o rumo de um julgamento ao demonstrar incapacidade de entendimento, crise mental ou ausência de dolo. Quando bem elaborado, garante justiça, proteção legal e respeito aos direitos humanos do avaliado.
O caso que comoveu o tribunal
Um homem de 42 anos, réu em um processo por tentativa de homicídio, estava prestes a ser condenado.
A acusação alegava que ele havia atacado um vizinho durante uma discussão.
Testemunhas confirmaram o fato, e a defesa parecia fragilizada — até que o juiz, observando falas desconexas e crises emocionais do acusado durante as audiências, determinou uma perícia psiquiátrica.
O resultado mudou tudo.
O diagnóstico que revelou a verdade
O laudo, elaborado por um perito psiquiátrico nomeado pelo juízo, revelou que o homem sofria de transtorno bipolar tipo I, em fase maníaca psicótica, sem adesão ao tratamento.
No momento do crime, ele apresentava delírios persecutórios e acreditava que o vizinho o espionava.
A perícia concluiu que, no momento do ato, ele não tinha plena capacidade de compreender o caráter ilícito da ação, caracterizando inimputabilidade penal, conforme o artigo 26 do Código Penal Brasileiro.
O laudo foi decisivo: em vez de condenado a prisão, o réu foi encaminhado a tratamento psiquiátrico obrigatório em hospital de custódia — uma medida protetiva, não punitiva.
Por que o laudo psiquiátrico foi tão importante
O psiquiatra forense analisou o caso com base em três pilares técnicos:
- Entrevista clínica detalhada: observando discurso, afetividade, juízo de realidade e coerência emocional;
- Histórico médico: que comprovava internações anteriores por surtos psicóticos;
- Critérios diagnósticos reconhecidos (DSM-5 e CID-11): confirmando o transtorno bipolar com sintomas psicóticos.
A convergência dessas evidências eliminou dúvidas: o ato foi consequência de transtorno mental grave, não de intenção criminosa.
A diferença entre culpa e incapacidade mental
O sistema jurídico brasileiro reconhece que nem todo ato ilícito é criminoso.
Quando o indivíduo age sem discernimento por motivo de doença mental, ele não é “inocentado” — mas responsabilizado de outra forma, por meio de medidas de segurança.
Essas medidas podem incluir:
- Internação em hospital de custódia;
- Tratamento ambulatorial supervisionado;
- Acompanhamento médico periódico.
O objetivo não é punir, mas tratar e prevenir novos episódios, equilibrando justiça e saúde pública.
Como é feita uma perícia psiquiátrica judicial
A perícia psiquiátrica segue protocolos rigorosos.
O perito deve:
- Analisar histórico médico, familiar e comportamental;
- Conduzir entrevistas clínicas e testes de avaliação cognitiva;
- Observar possível simulação de sintomas;
- Emitir laudo técnico e conclusivo, respondendo aos quesitos formulados pelo juiz.
O processo é ético, científico e imparcial — e o laudo final deve conter fundamentação clínica detalhada, não opiniões pessoais.
Impactos jurídicos e humanos
O caso reforçou o papel essencial da psiquiatria forense na promoção de justiça humanizada.
Sem o laudo, o homem provavelmente seria condenado e preso, sem tratamento — o que aumentaria o risco de novos surtos e reincidência.
Com o laudo, ele recebeu:
- Tratamento especializado;
- Acompanhamento contínuo;
- Avaliação judicial periódica para reabilitação social.
Esse é o exemplo vivo de como a medicina e o direito se unem para proteger a vida e a dignidade humana.
O que diz a lei
📜 Art. 26 do Código Penal Brasileiro:
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”
📜 Lei nº 10.216/2001 (Reforma Psiquiátrica):
Garante o direito à atenção humanizada e tratamento digno, proibindo internações desnecessárias ou punitivas.
📜 Resolução CFM nº 2.057/2013:
Define regras para internação psiquiátrica e direitos do paciente em privação de liberdade terapêutica.
Conclusão
O caso mostra que um laudo psiquiátrico bem elaborado não apenas esclarece fatos clínicos — ele pode salvar vidas e restaurar a justiça.
Ao reconhecer a doença mental como fator determinante, o sistema jurídico age com empatia, ciência e respeito.
A verdade é que sem psiquiatria forense, a justiça seria cega à mente humana.
FAQ — Perguntas Frequentes
1. O que é um laudo psiquiátrico judicial?
É um documento técnico elaborado por um médico psiquiatra a pedido do juiz, que avalia o estado mental de uma pessoa envolvida em um processo judicial.
2. O laudo pode absolver uma pessoa?
Sim, se o perito comprovar que o réu era incapaz de entender ou controlar seus atos por doença mental. Nesse caso, aplica-se medida de segurança, não pena.
3. Qual a diferença entre imputável e inimputável?
O imputável entende e controla seus atos; o inimputável, por doença mental, não tem essa capacidade.
4. Quem decide se a pessoa será internada?
O juiz, com base no laudo psiquiátrico e nas recomendações médicas do perito.
5. A perícia pode ser contestada?
Sim. As partes podem solicitar nova perícia se houver dúvida, contradição ou indício de erro técnico.
6. O perito representa a defesa ou a acusação?
Nenhum dos dois. Ele atua como auxiliar da Justiça, de forma imparcial e técnica.
7. Existe diferença entre laudo e parecer médico?
Sim. O laudo é conclusivo e pericial; o parecer é opinativo, geralmente solicitado fora do contexto judicial.
8. O que acontece após o laudo indicar doença mental?
O juiz aplica uma medida de segurança, que pode incluir tratamento ambulatorial ou internação em hospital de custódia.
9. O perito pode errar o diagnóstico?
Pode, mas o processo permite revisão por outro profissional (contraperícia) para garantir segurança e precisão.
10. O laudo psiquiátrico serve apenas em processos criminais?
Não. Também é utilizado em processos civis, previdenciários e trabalhistas, para avaliar capacidade mental, interdição ou aposentadoria por invalidez.
Referências
- Código Penal Brasileiro – Artigo 26 (Inimputabilidade Penal)
- Lei nº 10.216/2001 – Reforma Psiquiátrica e Direitos do Paciente
- Resolução CFM nº 2.057/2013 – Normas sobre Internação Psiquiátrica
- Ministério da Justiça. Manual de Perícias Psiquiátricas e Jurídicas, 2022.
- American Psychiatric Association. DSM-5-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2022.
- Scielo Brasil. Perícia psiquiátrica e responsabilidade penal: revisão sistemática, 2023.


