REABILITAÇÃO (36)

Como o laudo psiquiátrico evitou uma condenação injusta

Em uma sociedade cada vez mais consciente sobre saúde mental, cresce o entendimento de que a justiça não pode ser cega à mente humana.
O caso a seguir ilustra como um laudo psiquiátrico bem fundamentado pode ser a diferença entre uma condenação injusta e uma decisão justa, respeitando os limites da consciência, da responsabilidade e da dignidade humana.

Resumo rápido:

Um laudo psiquiátrico pode mudar o rumo de um julgamento ao demonstrar incapacidade de entendimento, crise mental ou ausência de dolo. Quando bem elaborado, garante justiça, proteção legal e respeito aos direitos humanos do avaliado.

O caso que comoveu o tribunal

Um homem de 42 anos, réu em um processo por tentativa de homicídio, estava prestes a ser condenado.
A acusação alegava que ele havia atacado um vizinho durante uma discussão.
Testemunhas confirmaram o fato, e a defesa parecia fragilizada — até que o juiz, observando falas desconexas e crises emocionais do acusado durante as audiências, determinou uma perícia psiquiátrica.

O resultado mudou tudo.

O diagnóstico que revelou a verdade

O laudo, elaborado por um perito psiquiátrico nomeado pelo juízo, revelou que o homem sofria de transtorno bipolar tipo I, em fase maníaca psicótica, sem adesão ao tratamento.
No momento do crime, ele apresentava delírios persecutórios e acreditava que o vizinho o espionava.

A perícia concluiu que, no momento do ato, ele não tinha plena capacidade de compreender o caráter ilícito da ação, caracterizando inimputabilidade penal, conforme o artigo 26 do Código Penal Brasileiro.

O laudo foi decisivo: em vez de condenado a prisão, o réu foi encaminhado a tratamento psiquiátrico obrigatório em hospital de custódia — uma medida protetiva, não punitiva.

Por que o laudo psiquiátrico foi tão importante

O psiquiatra forense analisou o caso com base em três pilares técnicos:

  1. Entrevista clínica detalhada: observando discurso, afetividade, juízo de realidade e coerência emocional;
  2. Histórico médico: que comprovava internações anteriores por surtos psicóticos;
  3. Critérios diagnósticos reconhecidos (DSM-5 e CID-11): confirmando o transtorno bipolar com sintomas psicóticos.

A convergência dessas evidências eliminou dúvidas: o ato foi consequência de transtorno mental grave, não de intenção criminosa.

A diferença entre culpa e incapacidade mental

O sistema jurídico brasileiro reconhece que nem todo ato ilícito é criminoso.
Quando o indivíduo age sem discernimento por motivo de doença mental, ele não é “inocentado” — mas responsabilizado de outra forma, por meio de medidas de segurança.

Essas medidas podem incluir:

  • Internação em hospital de custódia;
  • Tratamento ambulatorial supervisionado;
  • Acompanhamento médico periódico.

O objetivo não é punir, mas tratar e prevenir novos episódios, equilibrando justiça e saúde pública.

Como é feita uma perícia psiquiátrica judicial

A perícia psiquiátrica segue protocolos rigorosos.
O perito deve:

  • Analisar histórico médico, familiar e comportamental;
  • Conduzir entrevistas clínicas e testes de avaliação cognitiva;
  • Observar possível simulação de sintomas;
  • Emitir laudo técnico e conclusivo, respondendo aos quesitos formulados pelo juiz.

O processo é ético, científico e imparcial — e o laudo final deve conter fundamentação clínica detalhada, não opiniões pessoais.

Impactos jurídicos e humanos

O caso reforçou o papel essencial da psiquiatria forense na promoção de justiça humanizada.
Sem o laudo, o homem provavelmente seria condenado e preso, sem tratamento — o que aumentaria o risco de novos surtos e reincidência.

Com o laudo, ele recebeu:

  • Tratamento especializado;
  • Acompanhamento contínuo;
  • Avaliação judicial periódica para reabilitação social.

Esse é o exemplo vivo de como a medicina e o direito se unem para proteger a vida e a dignidade humana.

O que diz a lei

📜 Art. 26 do Código Penal Brasileiro:
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

📜 Lei nº 10.216/2001 (Reforma Psiquiátrica):
Garante o direito à atenção humanizada e tratamento digno, proibindo internações desnecessárias ou punitivas.

📜 Resolução CFM nº 2.057/2013:
Define regras para internação psiquiátrica e direitos do paciente em privação de liberdade terapêutica.

Conclusão

O caso mostra que um laudo psiquiátrico bem elaborado não apenas esclarece fatos clínicos — ele pode salvar vidas e restaurar a justiça.
Ao reconhecer a doença mental como fator determinante, o sistema jurídico age com empatia, ciência e respeito.

A verdade é que sem psiquiatria forense, a justiça seria cega à mente humana.


FAQ — Perguntas Frequentes

1. O que é um laudo psiquiátrico judicial?
É um documento técnico elaborado por um médico psiquiatra a pedido do juiz, que avalia o estado mental de uma pessoa envolvida em um processo judicial.

2. O laudo pode absolver uma pessoa?
Sim, se o perito comprovar que o réu era incapaz de entender ou controlar seus atos por doença mental. Nesse caso, aplica-se medida de segurança, não pena.

3. Qual a diferença entre imputável e inimputável?
O imputável entende e controla seus atos; o inimputável, por doença mental, não tem essa capacidade.

4. Quem decide se a pessoa será internada?
O juiz, com base no laudo psiquiátrico e nas recomendações médicas do perito.

5. A perícia pode ser contestada?
Sim. As partes podem solicitar nova perícia se houver dúvida, contradição ou indício de erro técnico.

6. O perito representa a defesa ou a acusação?
Nenhum dos dois. Ele atua como auxiliar da Justiça, de forma imparcial e técnica.

7. Existe diferença entre laudo e parecer médico?
Sim. O laudo é conclusivo e pericial; o parecer é opinativo, geralmente solicitado fora do contexto judicial.

8. O que acontece após o laudo indicar doença mental?
O juiz aplica uma medida de segurança, que pode incluir tratamento ambulatorial ou internação em hospital de custódia.

9. O perito pode errar o diagnóstico?
Pode, mas o processo permite revisão por outro profissional (contraperícia) para garantir segurança e precisão.

10. O laudo psiquiátrico serve apenas em processos criminais?
Não. Também é utilizado em processos civis, previdenciários e trabalhistas, para avaliar capacidade mental, interdição ou aposentadoria por invalidez.

Referências

  1. Código Penal Brasileiro – Artigo 26 (Inimputabilidade Penal)
  2. Lei nº 10.216/2001 – Reforma Psiquiátrica e Direitos do Paciente
  3. Resolução CFM nº 2.057/2013 – Normas sobre Internação Psiquiátrica
  4. Ministério da Justiça. Manual de Perícias Psiquiátricas e Jurídicas, 2022.
  5. American Psychiatric Association. DSM-5-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2022.
  6. Scielo Brasil. Perícia psiquiátrica e responsabilidade penal: revisão sistemática, 2023.

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